O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi criado com uma finalidade muito clara: proteger o trabalhador em momentos de ruptura, especialmente na demissão sem justa causa. Trata-se de uma poupança compulsória, de natureza social, pensada para servir como colchão financeiro quando o vínculo de emprego se encerra.

Por Amanda Santos
Nos últimos anos, contudo, essa lógica vem sendo tensionada pelo chamado saque-aniversário, modalidade que divide opiniões — e que merece uma análise menos superficial.
A notícia mais rápida está em nossos grupos de WhatsApp na RM Vale. Escolha sua área: São José, Vale Central, Fé e Histórico, Litoral ou Mantiqueira.
Instituído pela Lei nº 13.932/2019, o saque-aniversário permite que o trabalhador retire, anualmente, uma parte do saldo do FGTS no mês do seu aniversário, conforme percentuais progressivos previstos em lei. Em contrapartida, ao optar por essa modalidade, o trabalhador abre mão do saque integral do FGTS em caso de demissão sem justa causa, mantendo apenas o direito à multa de 40%.
Esse é o ponto central — e mais problemático — do modelo.
Na prática, o trabalhador é colocado diante de uma escolha que, muitas vezes, não é plenamente consciente. A promessa de acesso imediato a um valor anual parece atraente, especialmente em contextos de endividamento, renda apertada ou emergências financeiras. O que raramente é enfatizado é o custo dessa decisão: perder justamente a proteção do FGTS no momento em que ela é mais necessária — a perda do emprego.
A crítica jurídica ao saque-aniversário não está na liberdade de escolha em si, mas na distorção da finalidade social do FGTS. O fundo deixa de cumprir seu papel de proteção contra o desemprego para se transformar em uma espécie de crédito parcelado do próprio trabalhador contra si mesmo. Não por acaso, a modalidade abriu espaço para a proliferação de empréstimos com garantia no saque-aniversário, aprofundando a lógica de antecipação e comprometimento de um direito que deveria ser preservado.
Outro ponto sensível é o prazo de retorno ao regime tradicional. Ao optar pelo saque-aniversário, o trabalhador que deseja voltar ao saque-rescisão precisa aguardar 24 meses, período durante o qual permanece desprotegido em caso de dispensa imotivada. Trata-se de uma regra rígida, que desconsidera a instabilidade do mercado de trabalho brasileiro e a vulnerabilidade do trabalhador médio.
Sob a ótica social, a pergunta que se impõe é direta: faz sentido esvaziar a principal função do FGTS em troca de retiradas anuais, muitas vezes de pequeno valor? A resposta, na maioria dos casos concretos, tende a ser negativa — especialmente para quem depende do fundo como única reserva financeira em momentos de crise.
O saque-aniversário não é ilegal, nem inconstitucional. Mas isso não o torna, automaticamente, justo ou adequado à realidade social. O modelo transfere ao trabalhador o ônus de uma decisão complexa, sem que haja, na prática, informação suficiente sobre suas consequências de longo prazo.
Mais do que discutir números, o debate sobre o saque-aniversário exige uma reflexão mais honesta: o FGTS deve servir ao consumo imediato ou à proteção em momentos de vulnerabilidade? Enquanto essa pergunta não for enfrentada com seriedade, seguiremos normalizando um sistema que fragiliza exatamente quem deveria proteger.
Por Dra. Amanda Santos / AS Advocacia
www.amandasantosadv.comVocê sabia que idosos e pessoas com deficiência podem receber R$ 1.518 por mês?
Veja também: O diagnóstico tardio de autismo e seus impactos nos direitos previdenciários







